sexta-feira, 8 de abril de 2011

TRABALHO ESCRAVO NAS LOJAS PERNANBUCANAS!

Vídeo relata o caso de intervenção dos auditores fiscais em empresa terceirizada do Grupo Pernanbucanas, responsáveis de produzir os itens da marca ARGONAUT. Fica evidente o impacto social que as terceirizações e quateirizações estão provocando na fiscalização dos riscos para os trabalhadores, afinal são geralmente empresas pequenas que não dispõe de SESMT e ou serviços de segurança do trabalho.

sábado, 2 de abril de 2011

Todos somos escravos!



Da Servidão Moderna
"De la Servitude Moderne"
(França - Colômbia, 2009, 52min - Direção: Jean-François Brient)

Comentário do site oficial: A servidão moderna é uma escravidão voluntária, consentida pela multidão de escravos que se arrastam pela face da terra. Eles mesmos compram as mercadorias que os escravizam cada vez mais. Eles mesmos procuram um trabalho cada vez mais alienante que lhes é dado, se demonstram estar suficientemente domados. Eles mesmos escolhem os mestres a quem deverão servir. Para que esta tragédia absurda possa ter lugar, foi necessário tirar desta classe a consciência de sua exploração e de sua alienação. Aí está a estranha modernidade da nossa época. Contrariamente aos escravos da antiguidade, aos servos da Idade média e aos operários das primeiras revoluções industriais, estamos hoje em dia frente a uma classe totalmente escravizada, só que não sabe, ou melhor, não quer saber. Eles ignoram o que deveria ser a única e legítima reação dos explorados. Aceitam sem discutir a vida lamentável que se planejou para eles. A renúncia e a resignação são a fonte de sua desgraça.

O QUE É A DEMOCRACIA!




Tudo nesse mundo se discute menos a democracia. Então, vamos a ela!
Neste compacto, momentos marcantes retirados do documentátio "voces contra la globalizacion" (2006 - 2009). Produzido pela TVE Espanhola. disponível no site: http://docverdade.blogspot.com/2009/03/vozes-contra-globalizacao-voces-contra...

Consta de sete capítulos documentários, de uma hora de duração cada um, frutos de conversações mantidas entre o diretor da Série, Carlos Estévez e 54 personalidades relevantes, provenientes de âmbitos distintos.

A Série Vozes Contra a Globalização combina as filmagens em diferentes lugares do mundo, com arquivos documentais, crônicas de informativos, trabalhos cinematográficos de diretores como Win Wenders, Avi Lewis, Pino Solanas, Jorge Drexler, poemas de Mário Benedetti e a atuação de Loucas de Pedra, de Pernambuco/Brasil.

Outras das vozes da série são os economistas Jeremy Rifikin (EEUU), ecologistas como o espanhol Ramon Fernandez Duran, o relator das Nações Unidas para a Fome no Mundo, Jean Ziegler, o ex-portavoz do Fórum Social de Gênova, Vitório Agnolletto, o Prêmio Príncipe de Astúrias, de Ciências Sociais, Giovanni Sartori, o especialista em Química Atmosférica, James Lovelock, o Analista Social José Vidal Beneyto, entre outros.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O Fenômeno LER / DORT


Entrevista com o Dr. Milton Helfenstein Jr

O Dr. Milton Helfenstein Jr é Presidente da Comissão de Reumatologia Ocupacional e Relações Trabalhistas da Sociedade Brasileira de Reumatologia, Mestre e Doutor em Reumatologia pela Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo, Tese de Doutorado sobre Lesões por Esforços Repetitivos/ Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, Membro da Comissão de Ensino da Sociedade Paulista de Reumatologia, Membro Titular da Pan American League of Associations for Rheumatology, Membro da Sociedade Brasileira de Reumatologia, Membro da Sociedade Britânica de Reumatologia.

Blog Perícias: Dr. Helfenstein, o que é LER/DORT?

Milton Helfenstein Jr.: Os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) representam um conjunto heterogêneo de afecções musculoesqueléticas ocupacionais que são decorrentes de sobrecargas biomecânicas. A sigla LER (Lesões por Esforços Repetitivos) foi recentemente substituída pelo acrônimo DORT basicamente por dois motivos: (1) a ocorrência de lesão tecidual tem sido evidenciada apenas em uma minoria dos casos e (2) essas afecções podem decorrer de diversos tipos de sobrecargas além do esforço repetitivo como, por exemplo, sobrecargas estáticas, excesso de força empregada nas tarefas laborativas, posturas inadequadas, excesso de vibrações, entre outras. No entanto, o novo termo "DORT" não parece ter força suficiente para eliminar o termo anterior "LER" que, apesar de inapropriado, ganhou forte aceitação no nosso meio. Nos Estados Unidos, os distúrbios musculoesqueléticos, dentro e fora do cenário ocupacional, estão entre os problemas médicos mais prevalentes, afetando 7% da população e sendo responsáveis por 14% das consultas médicas e por 19% das hospitalizações.

BP: Então trata-se de um fenômeno muito freqüente?

MHJ: Nos Estados Unidos, os distúrbios musculoesqueléticos, em geral, estão entre os problemas médicos mais prevalentes, afetando 7% da população e sendo responsáveis por 14% das consultas médicas e por 19% das hospitalizações. Avaliando-se especificamente os distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao trabalho, eles representam um terço de todas as afecções relatadas ao órgão competente pelas estatísticas do trabalho por ano (Bureau of Labor Statistics). Essas afecções constituem atualmente o maior problema de saúde ocupacional naquele país.

BP: Mas DORT é uma doença?

MHJ: Faz-se muito importante entender que DORT não é uma doença genuína, lato sensu, tampouco representa uma síndrome clínica, contrariamente ao que alguns consideram, de maneira absolutamente equivocada. A terminologia desordenada e a diversidade de conceitos observados na literatura dificultam a obtenção de dados corretos para o estudo da incidência e da prevalência dos diferentes tipos de doenças e das condições clínicas das chamadas LER ou DORT, que costumam surgir e crescer em rápidas escaladas, na forma de surtos. Uma outra dificuldade é que os estudos, na sua grande maioria, não têm grupos-controle, e todas as enfermidades encontradas neste contexto têm incidência comum na população em geral.

BP: Mas por que DORT é tão frequente?

MHJ: Diversos fatores têm contribuído para este fenômeno: disposição ética, moral e intelectual dos indivíduos envolvidos, falta de organização no ambiente de trabalho, insatisfação com o trabalho, despreparo de médicos e outros profissionais, exames complementares mal elaborados, influência da ação de sindicatos, ações políticas, oportunismo de advogados e de peritos oficiais, influência da mídia, tensão social, alto índice de desemprego, interesses pela compensação financeira ou pela aposentadoria precoce, sistema trabalhista permissivo e assistencialista. Por um lado, constatamos condições laborativas inadequadas e, por outro, uma grande variedade de fatores não-ocupacionais, principalmente psico-sociais, todos contribuindo para o atual “fenômeno LER/DORT” no nosso país.

BP: Em perícias trabalhistas vê-se com freqüência o estadiamento dos DORT. Este estadiamento é correto?

MHJ: Muitos são os trabalhadores que sofrem de doenças comuns, as quais têm sido confundidas como DORT. Destacam-se a síndrome miofascial e a síndrome da fibromialgia, além de doenças reumáticas, distúrbios metabólicos e psicogênicos. Conseqüentemente, os pacientes têm sido prejudicados em uma série de questões, particularmente em suas convicções e no tratamento inadequado. Diversos mitos surgiram em relação a tal “fenômeno LER/DORT”. Entre eles, que tais siglas representariam uma doença; por tal motivo, tem se observado na comunicação médica e jurídica um aberrante e fictício estagiamento para tal fictícia doença. Muitos são aqueles que afirmam visualizar uma enfermidade que não existe e, ainda, estagiam a mesma, conferindo um ar espúrio de exatidão clínica. Outro mito observado é que tal fictícia enfermidade ou mesmo alguns distúrbios específicos, não possuem cura. Não é esta a evidência científica, assim como não é o que se constata na prática médica diária fora deste cenário, com outros indivíduos que desenvolvem o mesmo tipo de afecção.

BP: Qual é o principal DORT?

MHJ: Entre os diversos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, merece destaque a tendinite. Existem publicações que discutem a etiologia, o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico de diversas formas de tendinopatias, porém poucas são baseadas em evidências científicas conclusivas. A fisiopatologia da tendinite é difícil de ser estudada, devido à dificuldade de se obter biópsias antes que um tendão esteja rompido.

BP: As tendinites dos membros superiores são sempre causadas pelo trabalho?

MHJ: Os tendões podem ser afetados por uma variedade de condições. Muitas doenças sistêmicas estão associadas com defeito no metabolismo da matriz e da estrutura tendínea, que comprometem a força e a elasticidade tendíneas, resultando em inflamação do tendão ou de sua respectiva inserção. O termo tendinite assume, tradicionalmente, que existe uma resposta inflamatória concomitante. Isto é contrario à evidência de estudos histopatológicos, bioquímicos e moleculares e, talvez, o melhor termo a ser utilizado seja tendinose. O termo tendinopatia tem sido utilizado para descrever diversas situações que afetam os tendões, incluindo ruptura tendínea, dor crônica, alterações seqüelares e degenerativas. Este termo não assume nenhum conhecimento sobre uma enfermidade subjacente. A natureza precisa de um processo tendíneo degenerativo ainda é matéria de debate. Existem diversos fatores que contribuem para uma degeneração tendínea, incluindo acúmulo de glicosaminoglicanos, calcificação e acúmulo de lipídios. Entretanto, muitos desses fatores são encontrados em tendões normais e, necessariamente, não implicam em enfermidade. A tendinopatia também pode estar associada a uma variedade de fatores intrínsecos e extrínsecos. Acredita-se que alguns casos de dor tendínea resultam de microtrauma repetitivo, freqüentemente descritos como lesões de sobrecarga. Atualmente é reconhecido que a maioria das tendinopatias está raramente conectada a um único fator e o processo degenerativo pode resultar de uma série de fatores e de agentes causais diferentes. Muitas questões permanecem a respeito dos papéis dos fibroblastos tendíneos (tenócitos) e outras células no processo patológico. Na ausência de um processo inflamatório bem manifesto, não há uma evidência racional para a utilização de antiinflamatórios em tendinopatia crônica e a causa da dor tendínea ainda não é entendida.

BP: Portanto, pelo que entendi, as tendinites podem ter muitas causas.

MHJ: Sim. As tendinites possuem muitas causas. Os distúrbios metabólicos, endócrinos, hereditários, infecciosos e auto-imunes, juntamente com os traumas e as sobrecargas biomecânicas (sobrecarga de tensão ou de atrito tecidual), respondem pelas mais freqüentes. Algumas vezes, a tendinite não tem uma causa definida, sendo considerada primária, essencial ou idiopática. A sobrecarga de tensão ocorre quando o nível de microtrauma repetitivo excede a capacidade de adaptação do tecido. Ao nível molecular, a falência do tendão ocorre pelo estiramento do colágeno, seu principal componente estrutural. As lesões por excesso de atrito tecidual ocorrem em regiões onde os tendões deslizam em íntima proximidade a estruturas fixas, tais como em proeminências ósseas. As bainhas sinoviais cercam estes tendões nestes pontos, lubrificando-os e protegendo-os destas estruturas fixas, podendo sofrer processos inflamatórios. A frouxidão ligamentar, a hipermobilidade e a instabilidade articular são fatores predisponentes importantes para o desenvolvimento de tendinite, principalmente do tendão patelar e do manguito rotador. A utilização de alguns medicamentos, particularmente de antibióticos derivados da fluoroquinolona, deve receber a atenção do médico, pois pode estar envolvida na gênese da tendinite. Essa classe de antibióticos demonstrou, inclusive em estudos em animais, causar inflamação peri-tendínea, desorganização da matriz extra-celular e alterações degenerativas nas células tendíneas; a estrutura e a função mitocondrial pode ser afetada; pode haver a redução de proliferação de células tendíneas. Os derivados da fluoroquinolona também podem modular a expressão de citocinas inflamatórias; podem haver alterações na expressão de proteínas da matriz extra-celular e, ainda, modulação na expressão de proteinases. Há casos bem documentados de ruptura tendínea, principalmente do tendão de Aquiles com o uso desses antibióticos. Um outro tipo peculiar de processo inflamatório tendíneo, frequentemente diagnosticado como DORT envolve os tendões abdutor longo e extensor curto do polegar, conhecido como tenossinovite de De Quervain. Entretanto, existem trabalhos importantes na literatura, publicados em revistas de renome internacional, realizados com biópsias em conceituados hospitais da Inglaterra, que comprovam que uma causa importante da tenossinovite de De Quervain ocorre no pós-parto imediato ou no puerpério, e se deve à deposição de mucopolissacárides na bainha e no tecido subsinovial, não se encontrando processo inflamatório agudo ou crônico no local. Estes mesmos achados de deposição de mucopolissacárides foram encontrados em pacientes operados e sem relação com parto ou puerpério, demonstrando ausência de processo inflamatório. São diversas as possibilidades etiológicas de uma tendinite/tenossinovite.

BP: Mas, quais são as principais causas das tendinites?

MHJ: As principais causas de tendinite são: artrite reumatóide, artrite psoriática, Reiter, hemocromatose, ocronose, doenças congênitas, gravidez e puerpério, xantomatose, hiperlipoproteinemia, síndrome paraneoplásica, mixedema, tumor de células gigantes, tenossinovite pigmentada vilonodular, cristais , infecções, medicamentos.

BP: DORT acomete sempre o punho?

MHJ: Não. A tendinite do supra-espinhoso é outra situação de destaque, pela altíssima presença nos atestados ocupacionais, incluindo digitadores. Todavia, não há nexo causal reconhecido, do ponto de vista médico, entre tendinite do manguito rotador de ombro e as atividades de digitação. Tal convicção é dada com base em estudos estatísticos bem conduzidos, como o do National Institute of Occupational Safety and Health dos Estados Unidos e da European Agency for Safety and Health at Work, da União Européia. Em tese de mestrado defendida na Escola Paulista de Medicina foi demonstrado, através de revisão da literatura, que as lesões do manguito rotador do ombro (composto pelos tendões supra-espinhal, infra-espinhal, subescapular e redondo menor) têm relação direta com o aumento da idade, com suas manifestações iniciais ocorrendo por volta dos 25 anos. A literatura também demonstrou que a patologia do manguito rotador não é lesão por esforço repetitivo do tipo LER/DORT.

BP: Mas, o que causa esta tendinite?

MHJ: Diversas são as causas desta tendinite: distúrbios imunológicos, infecciosos, metabólicos, reumáticos, entre outros. Muitas vezes existem variações anatômicas locais (alterações da morfologia da articulação acrômio-clavicular, frouxidão ligamentar, hipermobilidade, osteoartrite, esporão de clavícula, esporão de acrômio, hipoplasia/aplasia de ligamentos gleno-umerais, protuberâncias ósseas, acrômios tipo II e III de Bigliani, etc.), que determinam uma predisposição constitucional para o desenvolvimento desta tendinite. Outra importante razão para a enorme quantidade de diagnósticos desta tendinite é que o tendão supra-espinhoso se demonstra alterado com muita freqüência nos exames de imagem, incluindo indivíduos assintomáticos. Na sua tese de Mestrado, Maeda constatou significativa prevalência de alterações ultra-sonográficas em ombros assintomáticos. Diversos outros estudos com ressonâncias magnéticas e ultra-sonografias encontraram “lesões” em ombros de indivíduos assintomáticos. A ruptura de fibras do manguito rotador é a lesão mais comum encontrada nos ombros de pacientes acima dos 40 anos. Estudos epidemiológicos demonstraram claramente que o aumento de lesões aumenta com a idade.

BP: O senhor falou em ultra-sonografia. Este não é o exame mais usado para diagnosticar DORT?

MHJ: Os dados científicos ressaltam o velho aforismo de que “a clínica é soberana”, portanto, a propedêutica (conhecimento do diagnóstico diferencial da dor, anamnese cuidadosa e exame físico detalhado) é decisiva. Não se deve esperar, portanto, que a conclusão diagnóstica advenha de um exame que, como o nome condiz, serve apenas para complementar o raciocínio clínico. Esta condição é salientada para a ultra-sonografia, que é um exame totalmente operador-dependente e com resultado manipulável, restrito a capacidade técnica e ética do ultra-sonografista. O tendão é estrutura anisotrópica, isto é, sua reflexão varia com o ângulo de incidência da onda sonora emitida pelo transdutor do aparelho de ultra-sonografia. Se o feixe de onda sonora estiver oblíquo ao tendão, a reflexão será menor, aparecendo áreas de hipoecogenicidade artefatual, que pode ser confundida com tendinite. Este fenômeno anisotrópico foi descrito por Dussik há cerca de 50 anos. Entretanto, tem sido prática comum em nosso meio, a transferência de responsabilidade do diagnóstico final para algum exame complementar, principalmente exames operador-dependentes, como a ultra-sonografia e a eletroneuromiografia. Tais exames têm fornecido, muito freqüentemente, resultados falso-positivos. Tal fato deve-se à baixa qualidade dos equipamentos, ao indevido manuseio técnico, ao curto tempo dispensado à execução dos exames e a falta de conhecimento de anatomia funcional e regional pela maioria dos operadores. Em alguns casos, a possibilidade de falta de ética deve ser considerada. A experiência mostra que existem muitas discrepâncias inter e intra-operadores de ultra-sonografia e de eletroneuromiografia.

BP: Mas existem outros exames, não é?

MHJ: Outros métodos como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética, que fornecem alta definição de imagem, têm demonstrado achados esperados para a faixa etária, variantes da normalidade e alterações degenerativas/seqüelares, que têm sido hipervalorizados. São muitos os achados nesses exames que podem não ter nenhuma relevância clínica. Em relação aos exames de eletroneuromiografia, a síndrome do túnel do carpo é a neuropatia compressiva mais comumente diagnosticada. O nervo pode sofrer um efeito pressórico conseqüente à redução da capacidade do túnel carpal ou por aumento de volume de conteúdo do túnel como, por exemplo, tenossinovite dos flexores. A compressão pode causar diminuição da função sensorial e/ou motora, conferindo os sinais e sintomas característicos da síndrome. Ela é observada mais freqüentemente entre os 30 e 60 anos de idade, sendo 3 a 5 vezes mais freqüente no sexo feminino. Em cerca de 50% dos casos é bilateral. O estudo eletroneuromiográfico contribui para o diagnóstico, apresentando uma taxa entre 10 e 15% de resultados falso-negativos, segundo a literatura. Entretanto, no nosso meio, os achados falso-positivos têm sido de ocorrência extremamente comum. Este fato pode trazer conseqüências indesejáveis, particularmente para os profissionais médicos que têm o hábito de transferir a responsabilidade do diagnóstico para tal exame complementar, desprezando a propedêutica médica. Cumpre salientar que muitas variáveis interferem na condutividade do nervo mediano: obesidade, dimensões do túnel, temperatura das mãos, entre outros. Uma possível interferência na rede elétrica do local onde o exame é realizado, a competência do operador e a qualidade do equipamento são fatores decisivos. Diversos estudos científicos demonstraram que a condutividade diminui com a idade, independentemente da existência de sintomas e, além disso, demonstraram que os resultados das eletroneuromiografias variam intensamente. Diversas são as causas desta síndrome, entre as quais destaca-se a idiopática, por sua alta prevalência na população em geral.

BP: Mas, quais são as causas mais comuns para a síndrome do túnel do carpo?

MHJ: Existem muitas causas, por exemplo: cisto sinovial, obesidade, artropatias deformantes (artrite reumatóide, psoriática, outras), deficiência de piridoxina, doenças hepáticas, trauma, pílula anticoncepcional, leucemia, neuropatias por metais, hansen, polineurite hipertrófica, osteoma osteóide, hemangioma, lipoma, ligamento carpal transverso espessado (familiar), inserção proximal de músculos lumbricais, persistência de artéria mediana, amiloidose, tenossinovite dos flexores, mixedema, tumores (neurilemoma, fibroma e hamartoma), gravidez, acromegalia, polimialgia reumática, esclerose sistêmica progressiva, polimiosite, outras colagenoses, osteomielite do carpo, diabetes, fraturas (colles, carpo), luxações (carpo, carpo-metacarpeanas), gota, condrocalcinose, doença por hidroxiapatita, mucopolissacaridoses, fasciite eosinofílica, anomalias tendíneas e musculares congênitas, palmar longo reverso , transição músculo-tendínea baixa dos tendões flexores, infecções (micobactérias, histoplasmose, coccidioidomicose), hemodiálise, iatrogênica (hematoma, flebite).

BP: Mas a síndrome do túnel do carpo não é sempre uma doença relacionada ao trabalho?

MHJ: Existem trabalhos sugerindo que algumas atividades ocupacionais podem causar síndrome do túnel do carpo. Os fatores mencionados envolvem o excesso de força empregada para a realização de tarefas, movimentos repetitivos, uso de instrumentos vibratórios e flexo-extensão extremas do punho. Contudo, muitos autores rejeitam tal possibilidade. Saliente-se que não existe evidência científica quanto à possibilidade de que as atividades de digitação possam causar síndrome do túnel do carpo. Os estudos científicos, envolvendo meta-análise, não confirmaram tal relação causal.

BP: Esta doença - a síndrome do túnel do carpo - tem cura?

MHJ: Independentemente da questão do nexo de causalidade, a síndrome do túnel do carpo possui tratamento. As técnicas cirúrgicas atualmente desenvolvidas, quando bem realizadas, proporcionam um sucesso terapêutico acima de 95%, conforme demonstram os diversos estudos científicos.

BP: O que sente quem tem estas doenças - DORT -?

MHJ: As manifestações clínicas dos diversos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho dependem do tecido afetado, do segmento corporal envolvido e da intensidade de tal agressão. Portanto, a sintomatologia é bastante variada. Como são extremamente comuns na população em geral (fora do contexto ocupacional), o desafio consiste em estabelecer se o distúrbio identificado tem relação com as atividades laborais, ou seja, se pode ser considerado como um DORT. Para isto, faz-se obrigatória a análise do ambiente de trabalho do indivíduo. Devem ser identificados os fatores de risco e efetuada uma correlação anatômica entre o distúrbio evidenciado e as sobrecargas biomecânicas envolvidas. Após diagnosticado um eventual distúrbio musculoesquelético, o médico deve empenhar-se em detectar o respectivo agente causal.

BP: Então, para afirmar que uma doença é DORT, é necessário conhecer o trabalho, não é?

MHJ: Sim. Devem ser avaliados todos os fatores organizacionais, entre eles, os possíveis: defeitos arquitetônicos no posto de trabalho; falhas na seleção, no treinamento ou no condicionamento, ferramentas, utensílios, acessórios e mobiliários inapropriados, distanciamentos e angulações desajustadas, excessos de jornadas de trabalho, falta de intervalos apropriados, posturas inadequadas, despreparo técnico para as atividades laborativas, uso de instrumentos que transmitam excesso de vibração, excesso de força empregada na execução de tarefas, sobrecarga estática, sobrecarga dinâmica. Portanto, o médico não deve antecipar-se em atestar doença ocupacional, sem considerar todo o leque do diagnóstico diferencial desses distúrbios e sem análise do ambiente de trabalho. O médico envolvido deve ter o conhecimento das principais causas de dor em todas as regiões topograficamente relevantes, e ainda das principais causas de dor crônica regional e difusa.

BP: O senhor acredita que exista muito erro no diagnóstico de LER/DORT em nosso meio?

MHJ: A maioria dos pacientes que tem sido considerados como portadores de LER ou DORT apresentam uma condição clínica indefinida e uma ausência de sinais físicos. Muitos trabalhadores têm recebido, erroneamente, múltiplos diagnósticos de doenças atribuídos aos DORT, para justificar seus respectivos quadros de dores difusas pelo corpo. Tem sido freqüentemente diagnosticado, num mesmo paciente, diferentes associações de moléstias, específicas e inespecíficas, envolvendo particularmente as tenossinovites, as epicondilites, a síndrome do túnel do carpo, a algodistrofia e diversas cervicobraquialgias indeterminadas, entre outras condições. Deste modo, têm sido constatados pacientes com mais de 10 diagnósticos, porém nenhum deles confirmados através de exames complementares ou de posteriores reavaliações. A principal condição médica a ser lembrada nestes pacientes com dor difusa, supostamente portadores de DORT, é a síndrome da fibromialgia, uma entidade médica comum na população, com reconhecimento universal, critérios diagnósticos e com um padrão de sinais e sintomas que a distingue de outras condições médicas.

BP: Pelo que o senhor afirma, existe então muita confusão entre doenças reumáticas e DORT. É isso?

MHJ: Sim. Outra síndrome dolorosa crônica de origem multifatorial, comumente confundida como DORT, é a síndrome miofascial. Esta síndrome se caracteriza pela presença de dor muscular regional e abrange muitas dos quadros dolorosos usuais da rotina clínica, como por exemplo, as dorsalgias, as cefaléias tensionais, as síndromes temporo-mandibulares, as lombalgias e as cervicobraquialgias. Portanto, esta síndrome é uma das causas mais comuns de dor crônica, e freqüentemente não é reconhecida pelo médico do trabalho. Uma outra causa de dor crônica a ser considerada no diagnóstico diferencial dos DORT é o reumatismo psicogênico. Têm sido frequentes os quadros de somatização, histeria de conversão e simulação, com o oportunismo de uma alegada doença ou incapacidade, objetivando ganhos secundários (ausência no emprego, direitos trabalhistas, compensações financeiras, aposentadorias). Examinando casos isolados, muitos autores consideraram os quadros de DORT como "principalmente psicológicos" e relacionados à frustração, raiva, perda de auto-estima, ansiedade ou depressão, inclusive com grande incidência de doença psiquiátrica ou histeria de conversão.

BP: Estas dores também podem ser "psicológicas"?

MHJ: Os pacientes com diagnóstico de “DORT” apresentaram, em diversos estudos, altos índices de dor e altos índices de depressão nos questionários e ainda mostraram uma pronunciada convicção de doença e negação de problemas psicológicos, quando examinados por questionários específicos de comportamento. Aqueles pacientes que estão deprimidos e insatisfeitos com seu trabalho, que acreditam ter adquirido uma lesão nas atividades de seu trabalho e que estão envolvidos em reivindicação de indenizações, são mais propensos a ter sintomatologia persistente.

BP: Qual é o melhor tratamento de DORT?

MHJ: O tratamento dos diversos distúrbios musculoesqueléticos ocupacionais depende, sempre, da eliminação dos agentes causais e da adequada estratégia terapêutica medicamentosa, fisioterápica e, em raros casos, cirúrgica. As tendinites requerem repouso do membro afetado, geralmente por período de 7 a 10 dias. A terapia medicamentosa de escolha é o uso de antiinflamatório não hormonal, eficiente no combate à inflamação e com bom efeito analgésico. Na maioria das tendinites, este medicamento deve ser utilizado por período que varia entre 1 a 3 semanas, dependendo da gravidade do caso. Os corticosteróides também podem ser empregados, com resultados satisfatórios. Muitos fazem uso dessas medicações, particularmente na forma de injeção local (infiltração), obtendo bons resultados. Para os tecidos moles, dá-se preferência à hidrocortisona ou à metilprednisolona, porém a triancinolona também pode ser utilizada. Em alguns casos, os analgésicos podem ser utilizados como coadjuvantes, com o intuito de se obter melhor alívio da dor. A fisioterapia também deve ser empregada. Podem ser utilizados meios físicos como o frio, envolvendo a aplicação de gelo no início de um processo inflamatório e, posteriormente, de calor. A eletroterapia, englobando correntes elétricas, laser, ondas curtas, TENS e ultra-som, tem sido amplamente utilizada. Os relaxantes musculares são muito utilizados neste contexto dos Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. Podem ser empregados como coadjuvantes de um processo inflamatório tendíneo, uma vez que freqüentemente há uma contratura muscular associada, e nos diversos casos de mialgias, cervicalgias, dorsalgias e lombalgias. À medida que os sintomas dolorosos vão melhorando, a instituição da cinesioterapia faz-se primordial. Devem ser empregados exercícios de fortalecimento e de equilíbrio muscular, exercícios isométricos, exercícios de alongamento e fornecida orientação postural.

BP: Pode-se fazer, também, alguma intervenção no ambiente de trabalho?

MHJ: Sim. Um ambiente de trabalho organizado, com respeito aos limites biomecânicos, minimiza muito a possibilidade do desenvolvimento desses distúrbios. A implementação de medidas preventivas é incontestavelmente a melhor atitude a ser sempre adotada. Em geral, existe necessidade de melhorar a educação dos trabalhadores, com condutas de orientação e de comunicações das experiências de profissionais de saúde. Faz-se essencial que os trabalhadores tenham um bom ambiente de trabalho, com aperfeiçoamento técnico para a realização das tarefas que lhe são incumbidas, respeito à duração das jornadas e dos intervalos de trabalho, juntamente com atitudes de reconhecimento ao seu trabalho. Muito importante é a conscientização dos empregadores em realizar compromisso duradouro de execução de processo orientado e acessível, tanto na prevenção como na terapêutica dos distúrbios musculoesqueléticos. Este processo deve incluir implementação e gestão em ergonomia, supervisão, tratamento médico e treinamento de todos os indivíduos envolvidos. Avaliação periódica é sempre recomendada para verificar o progresso individual e organizacional da empresa, relacionados a tais propósitos. Os objetivos desejados, porém, devem ser bem definidos antes de se iniciar qualquer programa.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

TRABALHO - Pressão FATAL




Alguns modelos de gestão movidos a competitividade nociva e a exploração do trabalho sob assédio moral, pressões por desempenho e humilhações podem estar por trás de um ato extremo: o suicídio

Cláudio debruçou-se sobre o parapeito de uma das passarelas da rodovia Raposo Tavares, em São Paulo. Só tinha em mente pular e terminar com todo o sofrimento. Foi impedido por um companheiro de trabalho que passava. Maria tomou mais de 20 comprimidos, mas a dose não foi suficiente para que ela acabasse com a própria vida. Gislaine também tentou o suicídio tomando comprimidos.
Depois, jogou-se de uma das escadas de sua casa e sofreu traumas no corpo. Essas pessoas têm mais em comum do que o fato de ainda estarem vivas após frustradas tentativas de suicídio.
A primeira semelhança, o diagnóstico de depressão profunda, os insere numa estatística silenciosa e alarmante: estima-se que cerca de 15 milhões de pessoas sofram dessa­ doença no Brasil. O segundo elo está nos motivos que os levaram à decisão de se matar: problemas no trabalho. "Nos três casos ficaram claros fatores como assédio moral, perseguições, humilhações e sobrecargas, que desestruturaram e destruíram a vida dessas pessoas", afirma Margarida Barreto, médica especialista em saúde do trabalhador, pioneira no estudo do assédio moral.
Margarida é uma das autoras da cartilha "Suicídio e Trabalho: Manual de Promoção à Vida para Trabalhadores e Trabalhadoras", lançada em maio pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Farmacêuticas, Plásticas e Similares de São Paulo. Há uma década, sua pesquisa estarrecedora sobre assédio moral, intitulada Jornada de Humilhações, revelou que de 2.072 entrevistados 42% sofriam de humilhações constantes em seus ambientes laborais – 16% desse grupo já havia pensado em se matar.
No ano passado, a médica organizou outra pesquisa, Suicídio e Trabalho: Homicídio Culposo Corporativo?, ouvindo 400 trabalhadores, 84 homens e 316 mulheres. Mais de um quarto desse grupo teve ideias suicidas ligadas ao trabalho – tendência proporcionalmente mais presente entre os homens (37%, ante 24% das mulheres). “Os resultados da pesquisa e as histórias colhidas em meu consultório chamaram a atenção para uma realidade que coloca o suicídio como resultado da exploração constante que os trabalhadores têm sofrido, como um grito de socorro que ainda não foi ouvido.”
Para o psicólogo Nilson Berenchtein Netto, co-autor da cartilha, um dos motivos para que a relação entre suicídio e trabalho seja negligenciada é que as análises de doenças como depressão e outros transtornos psíquicos quase sempre consideram que o problema está no indivíduo. "Ou se diz que essas patologias ocorrem por falta de algum neurotransmissor, de alguma substância que faz com que a pessoa se deprima, ou que surgem do próprio psiquismo, considerando que ela se deprimiu porque não conseguiu se adaptar às relações sociais e pessoais. Essas correntes não levam em conta o trabalho como uma categoria fundamental na constituição do homem nem, portanto, a relação entre trabalho, depressão e suicídio", diz Netto.
Fora do Brasil, um caso que tem chamado a atenção da imprensa mundial é o da empresa chinesa Foxconn. Foram 13 suicídios de funcionários nos últimos oito meses. A Foxconn, fornecedora de equipamentos eletrônicos para gigantes como Dell, Sony, HP e Apple, é acusada de submeter funcionários a uma disciplina militar e constante assédio moral.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, 3 mil pessoas suicidam-se todos os dias no mundo. A média aumentou 60% nos últimos 50 anos. Porém, a maioria dos órgãos ligados ao assunto, incluída a OMS, distancia-se de ver danos decorrentes de relações inadequadas de trabalho. Embora assuma o suicídio como problema de saúde pública, o órgão liga os casos a transtornos mentais, depressão, drogas. E quando os relaciona ao trabalho o faz de maneira discreta, atribuindo-os a vulnerabilidade individual.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, a taxa de 4,5 casos de suicídio em cada 100 mil mortes é considerada baixa, embora seu crescimento seja preocupante. Mais de 90% deles são atribuídos a transtornos mentais e ao abuso de substâncias psicoativas, sem relação direta com o universo do trabalho.
Margarida Barreto vê nesse cenário uma tentativa de responsabilizar o indivíduo pelo suicídio, deixando de lado fatores sociais marcantes. "É preciso ver a tentativa de tirar a própria vida como uma grande denúncia às condições de trabalho impostas pelo neoliberalismo nas últimas décadas, baseada no assédio moral e numa verdadeira gestão por injúria", reforça a médica.
Lourival Batista Pereira, coordenador da Secretaria de Saúde do Sindicato dos Químicos de São Paulo, questiona a quem interessa o silêncio diante dessa problemática. "As empresas não têm intenção de assumir esse ônus, pois é comum tratar o trabalhador como uma peça descartável", afirma.
A costureira Gislaine vê seu caso como exemplo. Entre 2003 e 2004, depois de ingressar numa multinacional do setor de plásticos, passou a sofrer humilhações constantes de uma das gerentes. "Eu trabalhava das 7h às 17h e, quando acabava meu serviço, ela descosturava tudo e dizia que estava malfeito para me humilhar. Dizia ter carta branca pra fazer o que quisesse", conta Gislaine.
“Cheguei a ter um enfarte e tive de ser afastada. Quando voltei, 20 dias depois, retomaram as humilhações. Perdi peso, adoeci e fui ficando sem noção das coisas. Comecei a bater nas minhas filhas, deixei de ser uma pessoa alegre e me desestruturei completamente, profissionalmente e com minha família.” A situação culminou numa depressão profunda e em duas tentativas de suicídio. “Não tinha força nem para sair da cama. Só pensava em acabar com a vida”. Aos 51 anos, ela ainda vive à base de antidepressivos.


Pouco avanço
Perseguições e descaso também fazem parte da tragédia de Cláudio. Funcionário do setor de estoque de uma multinacional do ramo de tintas, ele começou a perceber que as regras de segurança não eram cumpridas. "Como eu questionava, começaram a me perseguir, dar trabalhos mais pesados. Havia funcionários que, por medo de represálias dos encarregados, nem sentavam mais ao meu lado. Me deram duas advertências só para que eu me calasse diante dos problemas e me colocaram para trabalhar numa área isolada. Comecei a entrar em pânico, a ter crises de choro, me descontrolar. A tentativa de suicídio foi pensando que assim a polícia veria o que estava acontecendo lá dentro", conta o jovem de 29 anos.
Dois anos de perseguições provocaram em Cláudio um quadro de esquizofrenia que o obrigou a ficar internado numa clínica psiquiátrica por 20 dias. "Não conseguia mais sair na rua e comecei a achar que todos estavam me perseguindo, inclusive gente da família. Eu não entendia quem mentia e quem falava a verdade. Perdi o rumo da minha vida", lamenta Cláudio, que há um ano trabalha em outra empresa e ainda precisa de medicamentos para depressão.
Para Lourival, do Sindicato dos Químicos, outro indício desse descaso está nos índices de adoecimento e de acidentes de trabalho, que engordam as estatísticas negativas do atual modelo de gestão empresarial. "Essas duas situações costumam gerar demissão e perseguição. O funcionário hoje só serve se está muito bem. Doente, incomoda, aí vêm as perseguições, numa tentativa de que eles se demitam sem direito a nada", diz.
O caso de Maria é emblemático. Depois de 20 anos trabalhando na mesma empresa, multinacional do ramo de cosméticos, começou a sentir dores crônicas e teve de passar por cirurgias. "Foram cinco nos últimos cinco anos, nas mãos, no ombro esquerdo e no braço direito. Tive tendinite, rompimento nos dois ombros, e ainda não estou bem. Perdi o movimento e fiquei com deformações no braço. Dediquei toda minha vida a essa profissão e fui largada de lado", lamenta. Maria recupera-se da última cirurgia e espera por decisões da Justiça do Trabalho e do INSS, que podem lhe render uma indenização ou a aposentadoria. Ou nada.
Dependendo do resultado, ela entrará para um seleto grupo de trabalhadores que ganharam ações na Justiça por assédio moral, o que começa a ocorrer no Brasil. Existem mais de 80 projetos de lei em diferentes municípios e vários no âmbito federal à espera de votação. Na esfera estadual, desde maio de 2002, o Rio de Janeiro condena a prática. Também há projetos em tramitação em São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paraná e Bahia.
Gislaine entrou na Justiça contra sua algoz e ganhou a causa por assédio moral. A perseguidora foi condenada a pagar 250 cestas básicas à comunidade, "entregues por mim, em locais muito pobres, algo que me lavou a alma", diz Gislaine. Cláudio também ganhou a causa na Justiça do Trabalho e a empresa foi obrigada a pagar um ano de plano de saúde e R$ 8 mil de indenização, o suficiente para que o rapaz pagasse as contas que se acumularam enquanto esteve afastado. Muito pouco para pagar as despesas que tem com os antidepressivos.
* Os nomes de algumas pessoas e empresas foram alterados ou omitidos a pedido dos entrevistados
Setor bancário: depressão epidêmica

Embora haja muitas estatísticas referentes ao adoecimento e à depressão de trabalhadores, poucas pesquisas relacionam tais doenças ao suicídio. Uma das pioneiras foi apresentada na década passada pelo professor Ernani Xavier, mestre em Administração­ pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Xavier identificou 76 bancários que se suicidaram entre 1993 e 1995, época em que estavam em alta temas como reorganização do trabalho, aceleração tecnológica, privatizações, fusões, programas de demissão voluntária e demissões em massa – no período, foram demitidos mais de 430 mil trabalhadores no setor em todo o Brasil.

Em 2009, o trabalho Patologia da Solidão: O Suicídio de Bancários no Contexto da Nova Organização do Trabalho, tese de mestrado em Administração de Empresas de Marcelo Augusto Finazzi Santos, na Universidade de Brasília (UnB), apurou que 181 bancários terminaram com a própria vida de 1996 a 2005 – em média, um a cada 20 dias. Entre as principais causas, assédio moral, pressões por metas, excesso de tarefas e medo do desemprego.

Em 2007, cansada das humilhações no ambiente de trabalho, a bancária Mônica, de 25 anos, tentou acabar com o sofrimento tomando uma overdose de remédios. Ela mesma relata: “Olhei pra cima e falei: ‘Me leva porque eu não aguento mais as humilhações, os xingamentos’. Minha mãe me socorreu. Em 2009, eu tentei de novo com 40 ou 50 comprimidos­ de medicamentos controlados. Fui levada para o hospital. Não aguentava mais, o gerente me ignorava, não falava comigo, passava meus clientes para os outros. Eu simplesmente não existia. O médico me afastou, mas meu gerente me forçou a trabalhar mesmo com atestado. Aí, pediu minha demissão”.

Mônica não suportava mais ouvir insultos dos superiores. “Um dia eu estava almoçando, eram mais de 16h, e a minha gerente geral começou a gritar: ‘Não pode comer!’. Eles nos humilhavam na frente de todo mundo. ‘Que porcaria de produção é essa? Vocês querem que eu enfie um Sonrisal no c* de vocês para andarem que nem jet ski?’ E eu não conseguia esquecer essas coisas. Ia ficando cada vez pior.”

Em novembro de 2009, ela foi pressionada a abrir em uma semana 100 contas de renda acima de R$ 4 mil. “A meta geral era abrir dez contas dessas em um mês. Em uma semana era impossível. Diziam ‘se vira!’ E eu pensei: ‘Vou acabar com tudo, com a minha vida, com essa dor de cabeça, eles vão parar de me humilhar’. Assim não teria mais de ir trabalhar com essas pessoas. Por isso, se minha vida acabasse hoje, tudo bem. Eles acabaram com a minha vontade de viver.”
Wellington também sofre de depressão. Contratado em 2000 para trabalhar no antigo Banespa como operador de Controle de Qualidade, ele começou a ter crises nervosas. "Eu não era reconhecido. Comecei a ter convulsões, crises nervosas dormindo. Quando isso acontece, eu não consigo me lembrar como e o que acontece. Passei por neurologista, psiquiatra e estou em grupos de apoio", relata.

"Depois de seis anos, contratavam para ser meu superior uma pessoa que não sabia o trabalho, eu tinha de ensinar e era muito cobrado. Na prática, o que eu falava era ordem, mas não tinha cargo nem salário para essa responsabilidade, tinha que ter o controle de tudo porque era uma gráfica de
segurança máxima. Para eu ir ao banheiro tinha de passar por revista, tirar o sapato. Os outros não precisavam".

Segundo ele, as humilhações o levaram a quase acabar com a própria vida: "Aconteceu numa semana que eu estava de atestado médico. A maioria das pessoas da minha equipe foi demitida e acabei indo numa reunião. Teve uma desavença muito grande, fui menosprezado, discriminado, rotulado. Fiquei muito mal. Quebrei o vidro do meu carro com o pulso, quase morri. Não tenho os movimentos da mão ainda. Minha vida é no hospital. Tomo seis tipos de remédios, calmantes, antidepressivos, fico descaracterizado. Caí na escada e quebrei os pés. Estou de licença médica. No banco me chamam de Gardenal".

Para a médica Maria Maeno, coordenadora do grupo temático Organização do Trabalho e Adoecimento, da Fundacentro (órgão do Ministério do Trabalho que atua em questões de saúde), o suicídio ligado ao trabalho é pouco estudado no Brasil por dificuldades metodológicas. A depressão, alerta ela, tornou-se epidêmica no mundo inteiro, mas é pior nessa categoria. "O ramo financeiro talvez seja o que tenha sofrido a maior reengenharia na organização do trabalho. Com a automação, a velocidade da informação e das transações, a demanda ficou mais rápida e eles têm de responder mais rapidamente também. Todos têm de vender produtos – que não são de primeira necessidade" e cumprir metas, independentemente de onde estejam. Quando você é pressionado, os comportamentos são os mais diversos", explica Maria Maeno.

"É preciso haver acordo entre trabalhadores e bancos. Os bancários estão vulneráveis e não reagem quando passam por essas situações. Isso não é culpa do gerente geral ou do superintendente, são as chefias imediatas as que aparecem, mas sobre elas há a pressão que vem da forma como o sistema bancário­ funciona",­ adverte.
Pesquisa feita com bancários de todo o Brasil sobre as prioridades da campanha nacional deste ano mostra que para quase 80% da categoria o combate ao assédio moral e às metas abusivas são os principais problemas nos locais de trabalho.

Para a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Juvandia Moreira Leite, o assédio tem a origem no sistema de organização do trabalho imposto pelos bancos."Nós temos várias reclamações de gerentes-gerais de agência dizendo: Eu não aguento, meu diretor fica ligando todo dia, tenho de me controlar muito para não repassar essa pressão para o meu quadro de funcionários", diz.

Juvandia admite que há problema com o comportamento individual das chefias, mas considera que a organização do trabalho do banco induz a esse comportamento. "Eles querem resultados, independentemente de como a cobrança é feita. E isso até hoje ficou sem punição".

Para ela, é importante criar instrumentos para que o banco condene formalmente essa conduta. "Ele tem que garantir que não admitirá isso. Tem de ter prazo para apurar denúncias e tomar providências. Há casos em que se demora seis meses ou mais para apurar. Tem muitos bancários afastados por causa de depressão, mas também os que não estão afastados, mas tomam remédios. Em agências, acho que no mínimo uma pessoa tem esse problema ou desenvolve sintomas".

Só no primeiro semestre deste ano, 18 mil funcionários saíram dos bancos, metade deles pediu demissão. "O trabalho bancário hoje é muito caracterizado pela pressão, pela cobrança. É fundamental que a gente encerre a campanha salarial com algum avanço no combate ao assédio porque realmente­ é um grave problema em todos os bancos, públicos e privados", afirma a presidenta do sindicato.

por Xandra Stefanel
Na França, empresa é condenada

Para casos de suicídio ainda não há jurisprudência no Brasil e, mesmo em termos mundiais, o cenário avança lentamente. Na Espanha, por exemplo, há jurisprudência desde 2003, quando um tribunal superior considerou como acidente de trabalho o suicídio de um funcionário que caiu em depressão decorrente de várias situações de humilhação.
Na França, um episódio chamou a atenção da mídia por envolver uma gigante do setor automobilístico. Depois de um longo processo, envolvendo o suicídio de vários engenheiros, a Renault foi condenada pela morte de um dos trabalhadores envolvidos e a pagar indenização à viúva. Agora em agosto, a France Telecom reconheceu como acidente de trabalho o suicídio de um de seus empregados, em sua casa, em julho de 2009. Em 18 meses foram registrados 24 casos de suicídio na empresa, atribuídos às mudanças de gestão ocorridas nesse período.
Tais casos reforçam os dados obtidos por pesquisas como as feitas no Sindicato dos Químicos de São Paulo. E a urgência de mudanças drásticas na organização do trabalho, para que histórias como as de Gislaine, Cláudio e Maria não sejam vistas como casos isolados de depressão e descontentamento pessoal, mas como denúncia de que a pressão no trabalho como ferramenta de autoridade ou de desempenho pode ser uma arma mortal.
Quebrei o vidro do meu carro com o pulso, quase morri. Não tenho os movimentos da mão ainda. Minha vida é no hospital. Tomo seis tipos de remédios, calmantes, antidepressivos, fico descaracterizado.